sábado, 2 de março de 2013

A Paula e a filha da Paula.

Um pequeno conto que conta um pouco do que a vida me contou.*

Há mais de um ano eu fiz amizade aqui na internet com uma mulher chamada Paula, foi uma amizade virtual bem intensa emãe e filha quase estendemos nossa amizade para outros caminhos.
Por um motivo ou outro nossa amizade foi "esfriando", mas nunca deixamos de nos corresponder por e-mail.
Depois de um ano o computador de sua filha deu defeito e ela perguntou se eu poderia ir à casa dela para consertar. Eu disse que sim. Ela me deu seu endereço (já havíamos conversado várias vezes por telefone) e lá fui eu a Santa Rosa - Niterói ganhar o meu pão.
Chegando lá, apertei o botão do interfone, me identifiquei e escutei a célebre pergunta: Abriu?
- Sim Paula, abriu.
Cheguei à porta do apartamento, as fotos não faziam jus a Paula em pessoa, ela era muito mais jovial que seu quarenta e tantos anos, loira, olhos azuis, corpo muito bonito e bem conservado, sem malhação. Estava usando uma calça jeans azul e uma blusinha de alcinha amarela, uma sandália baixa, tudo muito simples.
Ao lado dela a sua filha. Magrinha, cabelinho de anjo castanho claro, usando Maria-Chiquinha.
Paula abriu um sorriso e disse:
- Finalmente nos conhecemos!
- É verdade! Respondi.
A filha olhou para mim, principalmente para o meu rosto e falou baixinho para a mãe:
- Mãe, ele é muito velho!
- Fica quieta, menina!
- Desculpa Jorge, ela tem essa mania de achar que cabelo branco ou grisalho é sinônimo de velhice.
- Que nada Paula, eu sei como são as crianças não ligo para essas coisas.
- Jorge, eu preciso tomar banho, fica a vontade, o computador está no quarto dela.
- Ok, sem problemas.
Fomos ao quarto e a menina me perguntou:
- Você não é muito velho para essas coisas de computador?
- Acho que não. Respondi.
Sentei e peguei o mouse como se fosse um microfone e comecei a falar com o computador.
- Computador Liga! Liga computador! Brinquei com a cara mais séria que pude fazer.
A garota saiu correndo e começou a bater na porta do banheiro gritando:
- Mãe! Mãe! Eu não disse?! Ele não entende nada de computador! Ele tá pensando que o mouse é microfone!
- Menina! Eu te avisei que o Jorge é muito brincalhão; ele só está mexendo com você!
Ela voltou para o quarto, meio sem graça, meio puta da vida comigo. Eu comecei a ligar o computador e enquanto ele dava “boot” fiquei olhando os brinquedos arrumados em prateleiras. Bonequinhos diversos, heróis, bruxas, alguns que eu não identifiquei e um Pluto de plástico.
- Por que você está olhando tanto para o meu Pluto?
- Me fez lembrar da minha irmã mais velha a Carla.
- Você tem uma irmã mais velha ainda que você?
- Na verdade não, ela é a mais velha das irmãs; ela é dez anos mais nova que eu.
- Ela gosta do Pluto?
- Não sei.
- Então por que meu Pluto lembra ela?
- Porque em um natal meu irmão mais velho esqueceu de comprar um presente para ela e foi na noite do dia 23 de dezembro às pressas ao centro da cidade comprar um presente para nossa irmã e voltou com um bonequinho do Pluto e isso ficou na minha cabeça.
- Você tem um irmão mais velho ainda que você?
- Não, ele já morreu.
- De velhice?
- Não de AIDS.
- Ele era “viado”?
- Não, ele era gay.
- Não é a mesma coisa?
- “Viado” é muito grosseiro, muito agressivo, dizer gay é mais educado.
- Então porque você não chama de homossexual?
- Já tentei, os gays não gostam muito, que é muito formal, fica parecendo que você está classificando...
A Paula chegou.
- Ela está te enchendo muito o saco?
- Não... Não... Tudo bem...
Quando me voltei para a porta do quarto vi que a Paula havia tomado banho e mudado de roupa: Short curto branco mais justo que uma decisão de Salomão, camiseta vermelha igualmente apertada.
- Aceita uma cervejinha?
- Não Paula, obrigado, eu não bebo quando trabalho e demais a mais estou dando “um choque de ordem no fígado”.
Ela riu da piada. Perguntou se eu queria um café ou uma água. Aceitei os dois. Ela foi à cozinha providenciar. Fiquei sozinho outra vez com a perguntadora.
- Você é muito velho?
- Tenho 50, quase 51.
- Eu tenho 12 quase 13.
- Minha mãe gosta de você sabia?
A Paula voltou (Graças a Deus) com o café e a água.
- Trouxe com açúcar porque lembrei que uma vez você contou que é alérgico a adoçante.
- Não sou exatamente alérgico, só que não gosto do sabor e fico com ele na boca o dia inteiro.
- Já volto. Disse a Paula.
Fiquei olhando pela janela enquanto bebia o café e depois a água. Acabei e acendi um cigarro.
- Xiiiiiiiiiii! Você fuma?
- Fumo.
- Igual a minha mãe. Vou pegar um cinzeiro.
- Brigado.
Ela voltou com um cinzeiro amarelo com o formato de uma letra “P” enorme.
- Por que você fuma?
- Não consegui parar até hoje.
- Como você começou a fumar?
- Para impressionar uma menina que eu queria namorar.
- Conseguiu?
- Não.
- Se ferrou!
- Sim.
Consegui identificar o defeito. Nisso a Paula volta. Usando um biquíni; branco, na verdade muito bonito.
- Jorge; comprei este biquíni para o verão o que você acha?
- Lindo... Lindo. Ficou muito bem em você.
Acho que ela ficou um pouco decepcionada e foi embora do quarto, ficando novamente eu e a filha dela.
- Você é casado?
- Não, separado.
- Tem filhos?
- Tenho uma filha e um monte de enteados e enteadas.
- O que é enteado?
- Filhos de mulheres que eu já casei, são como filhos postiços.
- Qual o nome da sua filha?
- Cibele.
- Você que escolheu o nome?
- Sim, fui eu.
- Você gosta dela?
- Sim, claro.
Acabei o conserto.
- Vai lá chamar a sua mãe, diz pra ela que eu já acabei.
- Tá bom.
A Paula veio.
- O que era?
- Um “vírus de Orkut”.
- Quanto é?
- Cem reais tá bom pra você?
- Tá ótimo pensei que fosse mais caro.
- Vou pegar o seu dinheiro.
- Ok.
Guardei minhas ferramentas. Fui saindo do quarto. Dei de cara com a Paula. Eu, meio encostado no portal do quarto da filha dela. Ela no meio do corredor. Ela estendeu a mão com duas notas de 50.
Neste momento senti a mãozinha da menina segurando a minha mão. Permiti e acabei dando a mão para ela. Fiquei arrepiado. A Paula abriu a porta para eu sair. Meio relutante soltei a mão da garota.
- Obrigada Jorge. Até a próxima!
- Obrigado a você Paula por ter me chamado.
Dei um tchau com a mão para a filha dela.
Ela sorriu.
Peguei o elevador e saí do prédio. Fui a uma mercearia na esquina da casa da Paula, precisava de Pomarola e de sal. Estava muito caro. Atravessei a rua e peguei o ônibus para casa.
No caminho fiquei pensando na garota e na mãozinha dela. Um gesto tão doce que fazia muito tempo eu não tinha visto ou sentido; pensei em todas as perguntas que ela me havia feito; lembrei do meu irmão Luiz, como ele havia sofrido até morrer, lembrei da minha irmã Carla que já não tinha notícias a 20 anos, de como comecei a fumar para impressionar a Lucinha lá em Belo Horizonte.
Cheguei em casa.
A azia estava forte. Tomei uma colherzinha de bicarbonato de sódio com um pouco de água.
Deitei.
Comecei a pensar que entre o conserto do computador e o desfile de modas que a Paula me proporcionou eu não perguntei o nome da doce garotinha.
A Paula?
Soube pelo Facebook que ela se casou com o dono da mercearia da esquina.
A garotinha?
Para mim será sempre a filha da Paula.
(*) Este texto é uma ficção qualquer semelhança com pessoas ou  situações da vida real é mera coincidência.