Um pequeno conto que conta um pouco do que a vida me contou.*
Há mais de um ano eu fiz amizade aqui na internet com uma mulher chamada Paula, foi uma amizade virtual bem intensa e
 quase estendemos nossa amizade para outros caminhos.
Por um motivo ou outro nossa amizade foi "esfriando", mas nunca deixamos de nos corresponder por e-mail.
Depois de um ano o computador de sua filha deu defeito e ela perguntou se eu poderia ir à casa dela para consertar. Eu disse que sim. Ela me deu seu endereço (já havíamos conversado várias vezes por telefone) e lá fui eu a Santa Rosa - Niterói ganhar o meu pão.
Chegando lá, apertei o botão do interfone, me identifiquei e escutei a célebre pergunta: Abriu? 
- Sim Paula, abriu. 
Cheguei à porta do apartamento, as fotos não faziam jus a Paula em pessoa, ela era muito mais jovial que seu quarenta e tantos anos, loira, olhos azuis, corpo muito bonito e bem conservado, sem malhação. Estava usando uma calça jeans azul e uma blusinha de alcinha amarela, uma sandália baixa, tudo muito simples. 
Ao lado dela a sua filha. Magrinha, cabelinho de anjo castanho claro, usando Maria-Chiquinha. 
Paula abriu um sorriso e disse: 
- Finalmente nos conhecemos! 
- É verdade! Respondi. 
A filha olhou para mim, principalmente para o meu rosto e falou baixinho para a mãe: 
- Mãe, ele é muito velho! - Fica quieta, menina!
- Desculpa Jorge, ela tem essa mania de achar que cabelo branco ou grisalho é sinônimo de velhice. 
- Que nada Paula, eu sei como são as crianças não ligo para essas coisas. 
- Jorge, eu preciso tomar banho, fica a vontade, o computador está no quarto dela. 
- Ok, sem problemas. 
Fomos ao quarto e a menina me perguntou: 
- Você não é muito velho para essas coisas de computador? 
- Acho que não. Respondi. 
Sentei e peguei o mouse como se fosse um microfone e comecei a falar com o computador. 
- Computador Liga! Liga computador! Brinquei com a cara mais séria que pude fazer. 
A garota saiu correndo e começou a bater na porta do banheiro gritando: 
- Mãe! Mãe! Eu não disse?! Ele não entende nada de computador! Ele tá pensando que o mouse é microfone! 
- Menina! Eu te avisei que o Jorge é muito brincalhão; ele só está mexendo com você! 
Ela voltou para o quarto, meio sem graça, meio puta da vida comigo. Eu comecei a ligar o computador e enquanto ele dava “boot” fiquei olhando os brinquedos arrumados em prateleiras. Bonequinhos diversos, heróis, bruxas, alguns que eu não identifiquei e um Pluto de plástico. 
- Por que você está olhando tanto para o meu Pluto? 
- Me fez lembrar da minha irmã mais velha a Carla. 
- Você tem uma irmã mais velha ainda que você? 
- Na verdade não, ela é a mais velha das irmãs; ela é dez anos mais nova que eu.
- Ela gosta do Pluto? 
- Não sei. 
- Então por que meu Pluto lembra ela? 
- Porque em um natal meu irmão mais velho esqueceu de comprar um presente para ela e foi na noite do dia 23 de dezembro às pressas ao centro da cidade comprar um presente para nossa irmã e voltou com um bonequinho do Pluto e isso ficou na minha cabeça. 
- Você tem um irmão mais velho ainda que você? 
- Não, ele já morreu. 
- De velhice? 
- Não de AIDS. 
- Ele era “viado”? 
- Não, ele era gay. 
- Não é a mesma coisa? 
- “Viado” é muito grosseiro, muito agressivo, dizer gay é mais educado. 
- Então porque você não chama de homossexual? 
- Já tentei, os gays não gostam muito, que é muito formal, fica parecendo que você está classificando... 
A Paula chegou. 
- Ela está te enchendo muito o saco? 
- Não... Não... Tudo bem... 
Quando me voltei para a porta do quarto vi que a Paula havia tomado banho e mudado de roupa: Short curto branco mais justo que uma decisão de Salomão, camiseta vermelha igualmente apertada. 
- Aceita uma cervejinha? 
- Não Paula, obrigado, eu não bebo quando trabalho e demais a mais estou dando “um choque de ordem no fígado”. 
Ela riu da piada. Perguntou se eu queria um café ou uma água. Aceitei os dois. Ela foi à cozinha providenciar. Fiquei sozinho outra vez com a perguntadora. 
- Você é muito velho? 
- Tenho 50, quase 51. 
- Eu tenho 12 quase 13. 
- Minha mãe gosta de você sabia? 
A Paula voltou (Graças a Deus) com o café e a água. 
- Trouxe com açúcar porque lembrei que uma vez você contou que é alérgico a adoçante. 
- Não sou exatamente alérgico, só que não gosto do sabor e fico com ele na boca o dia inteiro. 
- Já volto. Disse a Paula. 
Fiquei olhando pela janela enquanto bebia o café e depois a água. Acabei e acendi um cigarro. 
- Xiiiiiiiiiii! Você fuma? 
- Fumo. 
- Igual a minha mãe. Vou pegar um cinzeiro. 
- Brigado. 
Ela voltou com um cinzeiro amarelo com o formato de uma letra “P” enorme. 
- Por que você fuma? 
- Não consegui parar até hoje. 
- Como você começou a fumar? 
- Para impressionar uma menina que eu queria namorar. 
- Conseguiu? 
- Não. 
- Se ferrou! 
- Sim. 
Consegui identificar o defeito. Nisso a Paula volta. Usando um biquíni; branco, na verdade muito bonito. 
- Jorge; comprei este biquíni para o verão o que você acha? 
- Lindo... Lindo. Ficou muito bem em você. 
Acho que ela ficou um pouco decepcionada e foi embora do quarto, ficando novamente eu e a filha dela. 
- Você é casado? 
- Não, separado. 
- Tem filhos? 
- Tenho uma filha e um monte de enteados e enteadas. 
- O que é enteado? 
- Filhos de mulheres que eu já casei, são como filhos postiços. 
- Qual o nome da sua filha? 
- Cibele. 
- Você que escolheu o nome? 
- Sim, fui eu. 
- Você gosta dela? 
- Sim, claro. 
Acabei o conserto. 
- Vai lá chamar a sua mãe, diz pra ela que eu já acabei. 
- Tá bom. 
A Paula veio. 
- O que era? 
- Um “vírus de Orkut”. 
- Quanto é? 
- Cem reais tá bom pra você? 
- Tá ótimo pensei que fosse mais caro. 
- Vou pegar o seu dinheiro. 
- Ok. 
Guardei minhas ferramentas. Fui saindo do quarto. Dei de cara com a Paula. Eu, meio encostado no portal do quarto da filha dela. Ela no meio do corredor. Ela estendeu a mão com duas notas de 50. 
Neste momento senti a mãozinha da menina segurando a minha mão. Permiti e acabei dando a mão para ela. Fiquei arrepiado. A Paula abriu a porta para eu sair. Meio relutante soltei a mão da garota. 
- Obrigada Jorge. Até a próxima! 
- Obrigado a você Paula por ter me chamado. 
Dei um tchau com a mão para a filha dela. 
Ela sorriu. 
Peguei o elevador e saí do prédio. Fui a uma mercearia na esquina da casa da Paula, precisava de Pomarola e de sal. Estava muito caro. Atravessei a rua e peguei o ônibus para casa. 
No caminho fiquei pensando na garota e na mãozinha dela. Um gesto tão doce que fazia muito tempo eu não tinha visto ou sentido; pensei em todas as perguntas que ela me havia feito; lembrei do meu irmão Luiz, como ele havia sofrido até morrer, lembrei da minha irmã Carla que já não tinha notícias a 20 anos, de como comecei a fumar para impressionar a Lucinha lá em Belo Horizonte. 
Cheguei em casa. 
A azia estava forte. Tomei uma colherzinha de bicarbonato de sódio com um pouco de água. 
Deitei. 
Comecei a pensar que entre o conserto do computador e o desfile de modas que a Paula me proporcionou eu não perguntei o nome da doce garotinha. 
A Paula? 
Soube pelo Facebook que ela se casou com o dono da mercearia da esquina. 
A garotinha? 
Para mim será sempre a filha da Paula. 
(*) Este texto é uma ficção qualquer semelhança com pessoas ou  situações da vida real é mera coincidência.